Olhou para trás e viu o incêndio. Pensou no
cachorro. Se não fosse por ele estaria lá embaixo, ardendo. Não pôde salvá-lo.
Cachorro não sobe escada daquele tipo, e ele, velho, mal conseguia arrastar o próprio
corpo. Naquela altura, certamente, já estaria morto.
As mãos, firmes, iam se alternando nos degraus
metálicos. O calor soprava forte, botando pressa na subida. A fumaça impedia a
vista de enxergar onde é que a escalada ia dar. Só o coração dava pistas do
assombroso final daquela fuga.
Era uma noite como outra qualquer. Naquele
verão seco, sem nuvens, dava para ver o céu estrelado por entre as árvores.
Nada anunciava o que estava por vir. Deitou-se como de costume e já pegava no
sono quando o cachorro começou a latir desesperadamente. Pensou que era algum
estranho rondando e, ressabiado, caminhou lentamente até a porta. Olhou pela
fresta. O fogo lambia tudo ao redor. Deu a volta e saiu pela porta da cozinha.
A fumaça ardeu-lhe os olhos. Agarrou-se àquela escada pendurada e foi subindo.
Esbarrou em algo. Apalpou para saber o que
era. Alguém mais lento subia à sua frente. Diminuiu o ritmo. Sentiu o pé ser
puxado. Alguém, mais rápido, subia às suas costas. Coorderam os movimentos e seguiram
escalando. Em situações como essa a reação é espontânea.
O corpo, feito máquina, seguia mecanicamente,
e o pavor impedia que qualquer dúvida se formasse.
O crepitar da imensa fogueira foi cortado por
um grito. Era o primeiro que, exausto, desistia da escalada e se precipitava no
inferno. Virou o rosto e pode ver o homem caindo, feito um boneco
desarticulado. Pensou quanto tempo ainda aguentaria antes do corpo falhar e,
entre o horror e o alívio, acabar com tudo numa queda vertical e profunda.
A respiração, ofegante, pedia um descanso. Mas
como parar se atrás outros mais rápidos queriam subir velozmente para ganhar maior
distância do calor e do fogo? Certamente seriam jovens, os apressados, os que
crêem que sempre há um futuro, e que se agarram à vida com o visgo de seus
músculos, de seus líquidos.
Olhou a própria mão, a pele fina, manchada, e
por um momento pensou nos pinheiros, nos pastos sem fim, nas cachoeiras, nos
amigos que já tinham partido. Pensou no cachorro. Afrouxou os dedos, fechou os
olhos e mergulhou no vazio.
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